Turva, suculenta, cara e polêmica: a ‘nova’ IPA

O assunto do momento é um novo conceito de India Pale Ale – há quem chame de Juicy IPA, Hazy IPA, New England IPA, Northeast IPA, Vermont IPA…

 

Pela primeira vez, quase me arrependi de ter escolhido um tema. Apesar de ele andar sendo discutido em 10 entre 10 rodas de “geeks cervejeiros” espalhadas pelo mundo há um bom tempo e, no Brasil, desde o meio deste ano, é um assunto sem consenso. De cada um com quem conversei sobre ela, ouvi uma opinião diferente.

Já começa pelo nome e sobre se podemos tratá-la como estilo novo. Tem quem chame de New England IPA ou North East IPA (NEIPA), de Juicy IPA, de Hazy IPA, de Vermont IPA e tem quem é contra qualquer sobrenome pois não acha que é um estilo. Só chama de IPA, sem rótulos. Tendo ou não nome e sobrenome, o que importa é que tem um novo conceito de IPA – India Pale Ale, o estilo mais pop da atualidade – começando a brotar pelas cervejarias.

Tudo começou em 2003, na cervejaria The Alchemist, em Vermont (EUA), com a Heady Topper – a divisora de águas no mundo das IPA. Porém, naquela época só saíam lotes esporádicos da já então desejada cerveja. Somente em 2011, quando a cervejaria aumentou sua capacidade e soltou o icônico rótulo em lata, foi que a cerveja conseguiu alcançar mais copos e ficar cada vez mais conhecida, influenciando as outras cervejarias da região.

Já no Brasil, a febre começou com o despretensioso lançamento da Rizoma, da paulistana Dogma, no meio deste ano – uma IPA que focava em qualidade e não em custo, embalada em latão de 473 ml e que custava R$ 40. Com o mercado cheio de IPA, nem os próprios sócios da Dogma imaginavam que a cerveja deles viraria o furor que virou.

Com esse preço, achavam que demoraria para ser vendida. Porém, evaporou dos pontos de venda e sacudiu o mercado, mostrando que existia um público até então desconhecido, o nicho dentro do nicho, o cervejeiro disposto a pagar esse valor numa lata de IPA a partir do momento em que ela é excelente. Pronto. Criado o sucesso e emplacada a Dogma como referência. Desde então, alguns rótulos nessa linha vêm surgindo, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Mas o que significa ser uma dessas “novas” IPA? Pois então. Aqui continuamos a polêmica e a falta de consenso. Por isso, você pode encontrar cerveja que tem tudo dessa lista, cerveja que tem só uma dessas coisas e até cerveja que não tem nada disso se intitulando NEIPA/Juicy no rótulo. Não é fácil e tende a ser pior aqui no Brasil, pois nenhuma IPA original americana desse tipo chega ao país. Ou seja, pouquíssimas pessoas já provaram as referências. (Mas um monte de cervejaria pode aproveitar o “hype” e sair fazendo qualquer coisa turva por aí.)

Se juntarmos todos os votos, uma Juicy/ Hazy/ New England/ Northeast/ Vermont IPA pode e/ou tem que:

– Ser turva, ou seja, não ser filtrada, mantendo partículas em suspensão. Isso pode ser devido à proteína dos cereais, à presença de levedura ou ao dry-hopping (adição de lúpulo no final do processo para conferir mais aroma).

– Conter trigo, aveia ou centeio na receita, cereais não convencionais numa IPA “normal”. Contribuem bastante para deixar a cerveja mais encorpada, aveludada e turva.

– Ser muito frutada, lembrando frutas amarelas e tropicias, como pêssego, melão, abacaxi, cítricos, tanto pelos tipos de lúpulo quanto pela levedura escolhida. Tem o time dos que defendem que tem que ser o fermento Vermont Ale (ou Conan), que consome menos açúcar, deixando a IPA menos seca.

– Ser “juicy”, que pode ser traduzido como “suculenta”, relacionado ao corpo, ou como algo que parece suco, por ter aroma super frutado.

– Ter amargor muito limpo e curto, ou seja, sem adstringência, aspereza e muita permanência na boca. O amargor é baixo, vem e some rápido. O foco é muito mais no sabor do lúpulo do que no seu amargor intenso como na moda das extremas de antigamente. Tem tanta gente acostumada a amargor ruim que, quando toma uma assim, tão limpa, acha até que não é uma IPA “de verdade”.

– Não ter sabor de malte caramelizado. O malte é uma base, mas não deve conferir sabor de biscoito, pão e, muito menos, caramelo.

– Ser em lata, a melhor embalagem para qualquer estilo que tenha o lúpulo como protagonista pois tem vedação perfeita e impede a entrada de luz.

– Não ser pasteurizada, já que não tem porque usar tanto lúpulo, gastar tanto dinheiro e depois aniquilar o aroma da cerveja no pasteurizador.

– Ser mais cara, por conta da quantidade de lúpulo – ingrediente importado e caro – que utiliza (20g/litro em média). Normalmente, essas IPA passam por uma lupulagem diferente da tradicional, somente no final da fervura, para conferir a qualidade de amargor almejada. Isso exige muito mais lúpulo do que quando é adicionado aos poucos durante toda a fervura.

É ou não um estilo?

Por enquanto, oficialmente, não é um novo estilo porque não entrou em nenhum dos guias oficiais (Brewers Association e Beer Judge Certification Program). Nem o próprio cervejeiro da “mãe de todos”, a Heady Topper IPA, John Kimmich, defende que isso seja um novo estilo. Ele acha o conceito bem arrogante, aliás. André Santiago, recém-voltado de um curso de produção cervejeira em Vermont, também defende que não podemos chamar de estilo, nem de novo jeito nem de releitura. “Isso, para mim, é uma característica de uma região. Continua sendo tudo IPA.”

Serviço

Como não são filtradas, podem receber o mesmo serviço das cervejas com trigo. Ou seja, devem ser servidas inteiras no copo ou gire a lata antes de servir.

Primeiramente publicado no Paladar – O Estado de São Paulo

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